10.29.2005

A FREGUESIA DA MISÉRIA


Hoje, nenhum assunto dito “importante”. Vou deixar de lado a trambicagem no futebol e na política; esquecerei até mesmo o ridículo referendo que levou centenas de milhões do povo, para deixar tudo como estava antes. Uma dispendiosa ponte eleitoral, do nada para lugar nenhum.

Às vezes, pruridos filosóficos me atacam; são desencadeados por coisas ou pessoas, que vejo todo dia e nunca VI realmente, até que um belo dia os meus olhos se abrem.

No caso, uma mendiga que peregrina diariamente pela rua onde moro. Mais do que magra: esquálida. Creio que deve ter uns 15, talvez 17 anos, embora seja difícil determinar a sua idade sob os trapos e a sujeira que veste: a verdadeira roupa da miséria.

Vive pelas ruas; pede comida pelas portas. Às vezes, desaparece por alguns dias. Os vizinhos comentam que deve ter sido presa; segundo eles, mais antigos na área do que eu, a adolescente cheira cola, rouba e freqüentemente se envolve em episódios de violência. Uma mendiga/marginal; mas, pensando bem, todos eles não o são?

Ontem, eu a vi na rua. Imunda e descalça, como sempre. Uma diferença: a barriga saliente, sinal inegável de gravidez. Mais um pobre desgraçado, neste mundo; para ser criado sem instrução, sem segurança, sem dignidade, sem amor. Não como um bebê comum, um canto de vida; desde antes do nascimento, um farrapo de vida.

Com ela, outra mendiga jovem; conversando como se o mundo fosse belo, como se Deus sorrisse para todos. Passaram pelo meu carro e, pela janela aberta, eu a ouvi dizer à outra:

- Agora, vamos naquela rua de trás; eu tenho um cliente lá.

Disse isso naturalmente; uma frase trivial, como um vendedor que falasse a outro. E eu, cidadão da quase extinta classe média, fiquei pensando: até que ponto nossas almas endureceram? Será que já não pensamos mais em redimir esses seres humanos, que vivem quase como animais? Será que dar um prato de comida, ou alguns centavos, é suficiente para serenar as nossas consciências?

Será que estamos criando uma freguesia da miséria?

10.23.2005

DE NOVO O BENDITO REFERENDO

Pode parecer que o resultado do referendo foi mais uma derrota do Governo.

Mas não foi. O Governo conseguiu o que queria: provocar um fato político que, pelo menos por algum tempo, desviou os holofotes da mídia das denúncias de corrupção.

De quebra, levou mais uma vantagem: uma vez que a própria população decidiu não proibir o comércio LEGAL de armas, não duvidem de que nós, o povo, seremos culpados, daqui para a frente, pela violência. Não faltarão políticos que digam que tivemos uma chance de proibir as armas e não o fizemos; logo, a culpa é nossa.

É um raciocínio idiota, mas bem ao gosto dos nossos políticos. O Lula já disse que os brasileiros são os culpados pelos juros altos, porque não levantam o traseiro para procurar juros mais baixos; a lógica (ou falta dela) é a mesma. Seremos culpados, porque fomos obrigados a levantar o traseiro, para dizer que não queremos ficar desarmados, à mercê dos assaltantes.

O Governo levou vantagens, portanto. Pouco importa (a eles) que essas vantagens tenham custado centenas de milhões ao já arrombados cofres públicos. Milhões que poderiam ter sido gastos em saúde, em educação ou em obras sociais.

O Lula não se incomodou de fechar os bingos e assim desempregar milhares de pessoas, para desviar a atenção do Waldomiro, assessor do Zé Dirceu, lembram-se? O mesmo Zé Dirceu que deve ser cassado agora, por corrupção, diga-se de passagem.

Mais uma vez, o Governo ganhou e o povo saiu perdendo. Onde foi mesmo que já vi esse filme?

10.17.2005

O ÚLTIMO BALUARTE

Leio, na Internet, que o árbitro Edilson, aquele do escândalo denunciado pela Veja, foi eliminado do futebol.

Isto é totalmente justo e já era mais do que esperado. Entretanto, há uma questão a ser resolvida: o Edílson foi apanhado, tudo bem. Mas, sem querer lançar a suspeita sobre toda a classe, fica a dúvida: se a investigação tivesse sido mais ampla, não surgiriam outros casos? Será que, de tantos juízes, só o Edílson e o Danelon aceitaram o suborno? É uma boa pergunta... que, infelizmente, vai ficar sem resposta.

Num país assolado pela corrupção, as únicas instituições que se preservavam na confiança do público eram o futebol e o jogo do bicho; agora, só resta mesmo a última.

Chega a ser irônico: uma loteria clandestina, apontada como contravenção, é a única instituição popular em que o povo confia.

Este é um verdadeiro retrato do Brasil...

10.10.2005

O DIREITO (?) DO VOTO


Foi um comentário de Paulinho que me chamou a atenção para este assunto. Engraçado como a gente se acostuma com os maiores absurdos, se muito prolongados, e passa a considerá-los normais.
No próximo dia 23 de outubro (se não me falha a cansada memória), teremos novamente o direito (?) de votar; o direito (?) de perder um feriado, que poderíamos passar como bem quísessemos, encarar ônibus lotados e filas nas seções eleitorais, tudo para depositar na urna o nosso sacrossanto votinho. Ou teremos que justificar a nossa ausência (mesmo processo, só que nos Correios), sob pena de pagar multa.
Agora, deixem-me perguntar: onde está o direito? Quem já ouviu falar em pagar multa, por não exercitar um direito? Isto não é direito; aliás, nem dever: é obrigação mesmo, porque dever a gente pode deixar de fazer, sem ser multado.
E este é apenas o referendo das armas. Pior ainda quando é eleição: um povo desiludido, que não confia mais nos políticos, é obrigado a ir às urnas e tentar escolher não o melhor, mas o menos ruim. Ou aquele que pagou mais pelo voto; ou aquele que oferece maiores vantagens ao eleitor e sua família. A gente tem que votar, mesmo sabendo que vai levar ferro depois!
O direito ao voto existe nos Estados Unidos e outras nações sérias, onde o eleitor só vota se quiser; não precisa justificar ausência nem pagar multa. Lá, pelo menos, quem não vota não pode reclamar do governante: não escolheu por que não quis.
Isto, sim, é direito ao voto. Aqui, no Brasil, ficamos com a obrigação do voto!



10.06.2005

O BISPO E O SANTO RIO


Sou contra a transposição do Rio São Francisco.

Claro, esta não é uma opinião abalizada. Não conheço todo o projeto e, ainda que o conhecesse, certamente não entenderia os detalhes técnicos.

Sou contra, apenas, com base na sabedoria popular; mais exatamente, no velho ditado que reza: “não adianta desvestir um santo para vestir outro”. O Velho Chico não vai dispor de mais águas porque foi transposto; pela lógica, a água desviada para um novo lugar vai fazer falta no antigo. E o nordestino vai levar ferro novamente; pelo menos, os beneficiados pelo curso atual.

Entretanto, o Governo alega que essa transposição vai beneficiar a milhares de brasileiros; e deve acreditar mesmo nisto, para se dispor a gastar milhões de reais na execução do projeto.

Assim, acho ridícula a atitude do bispo de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, com a sua greve de fome contra a transposição do rio; e mais ridícula ainda a reação do Governo, recuando no propósito de transposição e prometendo “um diálogo mais amplo” sobre o assunto.

Se o diálogo e os estudos sobre o assunto ainda não haviam sido suficientes, por que iniciar o projeto? E, se o eram, por que parar apenas pela greve de fome de um homem, se o projeto iria matar a fome de milhares de outros? O bispo passa fome há alguns dias, por vontade própria; os sertanejos o fazem porque não têm outro jeito... e há muito tempo. A diferença, claro, é que um é bispo; os outros são apenas povo brasileiro.

Ou o Governo não tinha certeza do que estava fazendo, ou teme o confronto com o clero e a opinião pública; se o teme, é exatamente porque não tem argumentos sólidos para defender o seu próprio projeto. Talvez o bispo nos poupe de uma nova “Transamazônica”, obra faraônica que custou milhões ao País e até hoje permanece inacabada, certamente porque não era tão necessária assim. Talvez este projeto fosse a nossa Transamazônica fluvial.

Mesmo assim, o que me revolta neste episódio é a interferência de um religioso em um assunto de ordem exclusivamente material. Será que certos prelados ainda vivem na antiguidade, quando a Igreja Católica mandava no mundo, nomeando ou depondo reis, e todos os países tinham que se dobrar à sua vontade?

Não sou um conhecedor da Bíblia, mas, segundo os próprios sacerdotes católicos, foi Cristo quem disse: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, marcando assim a diferença entre as necessidades terrenas e as espirituais; que os governos decidam os destinos dos países, deixando às religiões o trabalho de reconforto espiritual do homem. Os presidentes não rezam missas; por que os sacerdotes querem dirigir as nações?

Sou contra a transposição e a atitude do religioso. Mas a verdade é que ela me faz lembrar de outro antigo ditado popular, muito em voga quando eu era menino: “Vá reclamar com o Bispo!”.

Aqui no Brasil, pode dar certo. Porque através do bispo se dobra o Presidente da República!

10.05.2005

O ABSURDO (DO) PLEBISCITO


Sou contra a proibição da venda LEGAL de armas. Pela lógica, se ela for proibida só ficará a ilegal; e esta é exatamente a que os bandidos utilizam. Ou seja: os criminosos continuarão a ter armas para atacar... e o cidadão estará desarmado para se defender.
Vi, numa propaganda pró-"desarmamento" (desculpem-me as aspas; é ridículo pensar num desarmamento que só atinja a parte honesta da população), que a maior parte das armas em poder de criminosos já esteve um dia nas mãos de homens de bem. E de onde vêm os AK-47, granadas e morteiros que integram o arsenal dos traficantes, a julgar pelos noticiários dos jornais e TVs? Estas armas não são vendidas em lojas, nem seriam adquiridas por pessoas comuns.
A fabricação e venda LEGAIS de armas são negócios como outros quaisquer; geram empregos para cidadãos honestos, que com eles sustentam as suas famílias. É justo substituí-los por marginais que venderão armas pelas esquinas, sem o menor critério para essas vendas? Quando os Estados Unidos proibiram a venda LEGAL de bebidas, o único resultado foi o aumento da contravenção, enriquecendo os gangsters e fortalecendo o império subterrâneo do crime.
Sou contra o próprio plebiscito, uma despesa monumental, inoportuna e dispensável para um povo que já está lascado de sustentar mensalões e campanhas com Caixa 2 do PT. Li que esse referendo custará, aos cofres públicos, cerca de 800 milhões de reais; é dinheiro que daria para muitas cestas básicas, ou casas populares. Dinheiro demais para gastar com besteira.
Acho que o (des) Governo Lula está querendo criar um fato político, para desviar a atenção das denúncias de corrupção; o truque é mudar o foco dos holofotes. Truque comum em política, diga-se de passagem.
Por que o Governo quer ouvir o povo na questão das armas, e não sobre a corrupção? Se temos dinheiro pra gastar em referendos, por que não fazer um sobre quem são os corruptos e a punição que a eles deve ser aplicada? A corrupção é muito mais perigosa, para o povo, do que a venda legalizada de armas: é ela que dá suporte ao narcotráfico, ao crime organizado; é ela que desvia o dinheiro das cestas básicas, da bolsa-escola, da merenda escolar e de outros programas sociais, tornando a sub-vida do pobre cada vez mais difícil!
Vamos esquecer a venda LEGAL de armas e fazer um plebiscito contra a corrupção?

10.04.2005

A FALÊNCIA DA ESPERANÇA


Tempo de correr, para ver se algo se salva. Tempo de recolher os cacos das ilusões, juntar tudo e tentar recriar o sonho de um país melhor; de uma vida melhor para um povo que vota porque é obrigado, mas já não tem a menor esperança ou confiança nos políticos.
Lula vem provando o que todo mundo já sabia: que é um operário; bem intencionado, idealista, mas incompetente como administrador. Sem qualquer preconceito, a verdade é que operário trabalha e pode ascender a cargos internos... mas jamais será um bom Gerente da fábrica; não tem visão para isto. Pode até achar que administra, mas sempre será enrolado pelos burocratas, mais acostumados com o modus operandi do sistema.
Mais uma desilusão para o povo. Talvez pior do que as outras, porque a desilusão é tanto pior quanto maior foi a esperança...