O BISPO E O SANTO RIO
Sou contra a transposição do Rio São Francisco.
Claro, esta não é uma opinião abalizada. Não conheço todo o projeto e, ainda que o conhecesse, certamente não entenderia os detalhes técnicos.
Sou contra, apenas, com base na sabedoria popular; mais exatamente, no velho ditado que reza: “não adianta desvestir um santo para vestir outro”. O Velho Chico não vai dispor de mais águas porque foi transposto; pela lógica, a água desviada para um novo lugar vai fazer falta no antigo. E o nordestino vai levar ferro novamente; pelo menos, os beneficiados pelo curso atual.
Entretanto, o Governo alega que essa transposição vai beneficiar a milhares de brasileiros; e deve acreditar mesmo nisto, para se dispor a gastar milhões de reais na execução do projeto.
Assim, acho ridícula a atitude do bispo de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, com a sua greve de fome contra a transposição do rio; e mais ridícula ainda a reação do Governo, recuando no propósito de transposição e prometendo “um diálogo mais amplo” sobre o assunto.
Se o diálogo e os estudos sobre o assunto ainda não haviam sido suficientes, por que iniciar o projeto? E, se o eram, por que parar apenas pela greve de fome de um homem, se o projeto iria matar a fome de milhares de outros? O bispo passa fome há alguns dias, por vontade própria; os sertanejos o fazem porque não têm outro jeito... e há muito tempo. A diferença, claro, é que um é bispo; os outros são apenas povo brasileiro.
Ou o Governo não tinha certeza do que estava fazendo, ou teme o confronto com o clero e a opinião pública; se o teme, é exatamente porque não tem argumentos sólidos para defender o seu próprio projeto. Talvez o bispo nos poupe de uma nova “Transamazônica”, obra faraônica que custou milhões ao País e até hoje permanece inacabada, certamente porque não era tão necessária assim. Talvez este projeto fosse a nossa Transamazônica fluvial.
Mesmo assim, o que me revolta neste episódio é a interferência de um religioso em um assunto de ordem exclusivamente material. Será que certos prelados ainda vivem na antiguidade, quando a Igreja Católica mandava no mundo, nomeando ou depondo reis, e todos os países tinham que se dobrar à sua vontade?
Não sou um conhecedor da Bíblia, mas, segundo os próprios sacerdotes católicos, foi Cristo quem disse: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, marcando assim a diferença entre as necessidades terrenas e as espirituais; que os governos decidam os destinos dos países, deixando às religiões o trabalho de reconforto espiritual do homem. Os presidentes não rezam missas; por que os sacerdotes querem dirigir as nações?
Sou contra a transposição e a atitude do religioso. Mas a verdade é que ela me faz lembrar de outro antigo ditado popular, muito em voga quando eu era menino: “Vá reclamar com o Bispo!”.
Aqui no Brasil, pode dar certo. Porque através do bispo se dobra o Presidente da República!
1 Comments:
Paulinho: com certeza. Mas não é ridículo que um bispo tenha que interferir (indevidamente), para que o Governo descubra o que todos sabemos?
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