LEMBRANÇAS DO D.I.V.A.
“No meu tempo” (detesto esta expressão, que equivale a um auto-atestado de envelhecimento, mas às vezes é impossível fugir dela), as comadres e fofoqueiras desempenhavam importante papel na manutenção da ordem social.
Explico: à falta de melhores afazeres, as simpáticas velhinhas assumiam as funções de olhos, ouvidos e (principalmente) boca da comunidade local. Eram elas que ficavam nos muros, ou por trás das janelas, olhando o que se passava na rua.
Analisavam o comprimento das roupas das jovens, viam quem saía com quem, a que horas voltavam e outras miudezas semelhantes, que só podem interessar mesmo a quem já tem a vida ganha e pode gastar tempo esmiuçando a alheia.
Sabe disto a hoje senhora que, quando adolescente, foi flagrada por uma dessas fiscais não nomeadas, conversando com algum rapaz em um canto um pouco mais escuro; ainda que fosse um papo inocente, quando a pobre jovem chegava em casa, era certo enfrentar um tribunal familiar. Isto, quando o pai ou a mãe não iam arrancá-la do local e escoltá-la para casa, entre recriminações e eventuais porradas.
As velhinhas eram respeitadas, e suas línguas temidas. Sentinelas vigilantes, evitaram a colheita precoce de incontáveis cabaços (ainda se usa esta palavra?) e foram responsáveis por muitos casamentos de véu e grinalda, embora em alguns deles fosse visível que o pai carrancudo não largava o braço do futuro genro, para evitar alguma fuga de última hora.
Não foram poucos, também, os rapazes que largaram o cigarro depois de uma homérica surra, causada pela delação anônima de uma incauta tragada; ou os que deixaram de beber, depois que uma boca murcha soprou aos ouvidos dos pais que os havia visto tomando uns goles, numa rodinha de “viciados”.
Pareciam ter olhos na nuca, aquelas velhotas que integravam o D.I.V.A. (Departamento de Investigação da Vida Alheia, alguém se lembra?). Como, uma vez, bem resumiu um amigo de então: “Tá tão deserto, que você pensa que pode arriar as calças e cagar na rua; mas basta dar um peido, que amanhã o bairro todo já sabe!”.
Para os adolescentes, as fofoqueiras eram um ameaçador pesadelo; para os pais, entretanto, grande aliadas. Tanto, que se cunhou uma expressão: “Bendita seja a maldita língua do povo”, para enaltecer as “catástrofes” evitadas por essa rede clandestina e voluntária de informações.
Eu mesmo, confesso, já tive que interromper bons amassos por causa da passagem de uma dessas senhoras. A garota corria para casa, desesperada para chegar antes da velha, e eu corria pro outro lado, antes que o pai dela chegasse. Ainda me lembro de algumas pombas que debandaram, antes de sentar no poleiro armado e ansioso.
Por isto, acho que sou vítima de uma grande injustiça: quando jovem tive um trabalhão para evitar aqueles diabos de velhas. E hoje, quando meus filhos delas precisam, onde andam aquelas doces senhoras do D.I.V.A. ?
11 Comments:
Que lembrança, heim!!! Fui vítima dessas fofoqueiras de plantão, e inúmeras vezes. Aff! Quantas surras levei por causa delas... Ainda guardo na memória as que mais me marcaram; um cinto que dei de presente a um namoradinho... Um encontro marcado no fundo do quintal de casa, com um namorado que meus pais não queriam... Lá estavam elas, se antecipando a tudo e denunciando. Lembra que nessa época as ligações telefônicas eram via telefonista? Afiadíssimas nas línguas, e minhas maiores inimigas. Mas, nem dei importância a nenhuma delas. E hoje, com certeza, faria tudo igualzinho novamente.
Mas, os tempos mudaram, e esse departamento se tornou obsoleto. As fofoqueiras de plantão sucumbiram ao modernismo e ao advento da liberdade juvenil.
anônimo, não sei porque... mas algo me diz que vc tá mais pra anônima, viu? E não é a primeira vez. :) Mas valeu a lembrança, né?
Flávio, graças a Deus não sou desse tempo, mas no interior ainda tem muitas dessas comadres.
Júnior, faz sentido. Nas cidades pequenas do interior, apesar de toda globalização e da TV, o tempo passa bem mais devagar...
Putz, professor, aqueles tempos não eram nada facéis, não é? Meu pai me conta algumas histórias daquela época.
Rappha: é, não era fácil. Mas, talvez por isto mesmo, fosse mais divertido... ;)
eu não conhecia essa expressão, mas é muito apropriada!!!!
D.I.V.A....
Serbon, mano, vc deu sorte de não conhecer o nome... e as integrantes! :)
Hoje, a D.I.V.A mudou pra orkut, msn, e-mail, celular com câmera...
Uma pena que as denúncias também mudaram: hoje se vende droga por orkut (se prende gente também)...
De repente, as coisas continuam do mesmo jeito, só com nova roupagem...
Ah... esqueci de dizer que uma delas, remanescente... filmou, fotografou e denunciou a Ladeira do Tráfico, no Rio!
Sábios exemplos, amiga Lourdinha! Tb acho que o orkut, principalmente, é um D.I.V.A. eletrônico; e, o pior, com a cumplicidade dos investigados, que não havia no meu tempo.Qt à velhinha do Rio, sem dúvida uma digna remanescente do nobre Departamento!
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