EUTANÁSIA
Eu sempre detestei os quartos de hospital.
Acho que todos eles são iguais, em qualquer lugar do mundo; têm um cheiro particular, frio, agressivo. Um cheiro de desespero, de esperanças desfeitas, de sofrimento e indiferença.
Talvez eu adivinhasse o futuro. Porque, agora, este quarto de hospital é todo o meu mundo; um mundo de saudade, de tristeza, de aceitação resignada. E, quanto maior a resignação, mais tênue a linha que a separa do mais profundo desespero.
De olhos fechados, vejo você inteira, na minha imaginação. Revivo nossos momentos: o eterno namoro, o sexo sempre ardente e cheio de ternura. Revejo os seus pequenos gestos, a luz do seu sorriso, a forma de balançar a cabeça, de morder os lábios. Até a sua voz ainda parece ecoar na minha mente. Eu a amo tanto!
Mas a imaginação não pode suplantar a realidade; apenas atrasa um pouco a sua dura percepção. O corpo na cama é esquálido e macilento; a veia está inchada, no lugar onde a agulha injeta o soro que tenta substituir o alimento. É um corpo inerte, feio; sem o menor traço de movimento, que lembre a bela pessoa que já foi um dia.
São quinze meses de coma. Uma eternidade de sofrimento, para nós dois. Por mais que tentemos medir o tempo, ele foge ao nosso controle. As horas felizes parecem voar, enquanto os minutos de sofrimento nos parecem eternos.
Tivemos momentos de alegria, outros amargos e tristes. Como todos os casais, alternamos compreensão e brigas, mágoas e perdão; choramos as ilusões perdidas, e aprendemos a conhecer os nossos defeitos. Mas, hoje, percebo que o nosso tempo pareceu voar; e isto significa que fomos felizes.
Entretanto, a felicidade não foge ao tempo. E isto não me revolta; antes de lamentar a separação, agradeço por tê-la conhecido. Juntos, conhecemos o amor; e ele nos manterá unidos para sempre.
Ambos sabemos o que deve ser feito; não haverá remorsos, nem ressentimentos. Neste quarto de hospital, perdidos na madrugada, vivemos os nossos últimos momentos. E os vivemos com amor, com cumplicidade, com ternura e compreensão; como vivemos a maioria do nosso tempo juntos, e como deveríamos ter vivido em todos os dias da nossa vida.
Ainda mantenho os olhos fechados. Não preciso abri-los, para ver você; é em minha mente que você está e estará sempre. Você faz parte de mim: está em meu sangue, em cada parte de meu corpo, no menor de meus pensamentos. Você viverá sempre em mim.
De repente, um pequeno e inesquecível milagre: tenho a sensação de sentir a sua mão em meu rosto, num afago carinhoso. Depois, sinto como se os seus lábios tocassem os meus, como antes; é um beijo suave, não uma despedida, apenas um beijo do mais puro amor. A sensação é tão doce e tão forte, que uma lágrima de felicidade se forma no canto de meu olho; posso sentir o seu contato frio no meu rosto.
Sou feliz, neste instante. É como se eu a visse; como se visse as lágrimas que escorrem pelo seu rosto, quando você estica o braço e desliga os aparelhos. Uma onda de liberdade me invade, enquanto o meu espírito abandona o corpo, que se tornou uma prisão dolorosa e aviltante.
E eu a amo ainda mais, por isto...
(A Laura me enviou o link. E este conto, com personagens obviamente fictícios, resume o que eu penso sobre o assunto...)
Acho que todos eles são iguais, em qualquer lugar do mundo; têm um cheiro particular, frio, agressivo. Um cheiro de desespero, de esperanças desfeitas, de sofrimento e indiferença.
Talvez eu adivinhasse o futuro. Porque, agora, este quarto de hospital é todo o meu mundo; um mundo de saudade, de tristeza, de aceitação resignada. E, quanto maior a resignação, mais tênue a linha que a separa do mais profundo desespero.
De olhos fechados, vejo você inteira, na minha imaginação. Revivo nossos momentos: o eterno namoro, o sexo sempre ardente e cheio de ternura. Revejo os seus pequenos gestos, a luz do seu sorriso, a forma de balançar a cabeça, de morder os lábios. Até a sua voz ainda parece ecoar na minha mente. Eu a amo tanto!
Mas a imaginação não pode suplantar a realidade; apenas atrasa um pouco a sua dura percepção. O corpo na cama é esquálido e macilento; a veia está inchada, no lugar onde a agulha injeta o soro que tenta substituir o alimento. É um corpo inerte, feio; sem o menor traço de movimento, que lembre a bela pessoa que já foi um dia.
São quinze meses de coma. Uma eternidade de sofrimento, para nós dois. Por mais que tentemos medir o tempo, ele foge ao nosso controle. As horas felizes parecem voar, enquanto os minutos de sofrimento nos parecem eternos.
Tivemos momentos de alegria, outros amargos e tristes. Como todos os casais, alternamos compreensão e brigas, mágoas e perdão; choramos as ilusões perdidas, e aprendemos a conhecer os nossos defeitos. Mas, hoje, percebo que o nosso tempo pareceu voar; e isto significa que fomos felizes.
Entretanto, a felicidade não foge ao tempo. E isto não me revolta; antes de lamentar a separação, agradeço por tê-la conhecido. Juntos, conhecemos o amor; e ele nos manterá unidos para sempre.
Ambos sabemos o que deve ser feito; não haverá remorsos, nem ressentimentos. Neste quarto de hospital, perdidos na madrugada, vivemos os nossos últimos momentos. E os vivemos com amor, com cumplicidade, com ternura e compreensão; como vivemos a maioria do nosso tempo juntos, e como deveríamos ter vivido em todos os dias da nossa vida.
Ainda mantenho os olhos fechados. Não preciso abri-los, para ver você; é em minha mente que você está e estará sempre. Você faz parte de mim: está em meu sangue, em cada parte de meu corpo, no menor de meus pensamentos. Você viverá sempre em mim.
De repente, um pequeno e inesquecível milagre: tenho a sensação de sentir a sua mão em meu rosto, num afago carinhoso. Depois, sinto como se os seus lábios tocassem os meus, como antes; é um beijo suave, não uma despedida, apenas um beijo do mais puro amor. A sensação é tão doce e tão forte, que uma lágrima de felicidade se forma no canto de meu olho; posso sentir o seu contato frio no meu rosto.
Sou feliz, neste instante. É como se eu a visse; como se visse as lágrimas que escorrem pelo seu rosto, quando você estica o braço e desliga os aparelhos. Uma onda de liberdade me invade, enquanto o meu espírito abandona o corpo, que se tornou uma prisão dolorosa e aviltante.
E eu a amo ainda mais, por isto...
(A Laura me enviou o link. E este conto, com personagens obviamente fictícios, resume o que eu penso sobre o assunto...)
47 Comments:
Cara, que susto você me deu. O texto é comovente...
Ainda bem que é ficção.
Bom findi procê.
abs
o texto tá lindo.
situação difícil, essa...
É duro, mas algumas coisas do plano astral são complicadas de se compreender.
Um belo texto.
Abração.
DB.
Flávio, o texto é lindo demais e confesso que fiquei chocada de início. Porém, por mais que pensemos no outro, não temos o direito de lhe tirar a vida. Na melhor das intenções, não podemos nos sentir Deus. Só ele sabe o porquê do tempo e do sofrimento. Muitas vezes precisamos dele, pra resgatar algumas coisas que ficaram pendentes. Por outro lado, enquanto vida existir, existe esperança. Amar não é desistir de quem se ama, mas lutar por esse amor, sem querer passar por cima de ninguém.
Sofri muito com a doença de minha mãe, mas nunca pensei em tirar-lhe a vida. Entreguei a Deus e quando chegou a sua hora ele a levou. Acredito que assim que deve ser, sempre.
Bjs.
Sou da mesma opinião mesmo sendo católica. A ciência muitas vezes impede o curso natural da vida, prolongando uma existência vegetativa, um sofrimento a mais para quem está acamado.
Quem é contra a eutanásia é porque fica à espera de um milagre, uma última esperança.
Falando com a razão; sabe que existe uma mafia de hospitais ganhando horrores com o sofrimento de famílias. Eles deixam o doente ligado a aparelhos e a família vai pagando por nada. Não existe mais vida ali, nem em pensamento, nem em sopro de espírito.
Acho muito pertinente essa última resolução da medicina.
bom fim de semana! Beijus
Um texto bem triste, eu tb penso da mesma forma, para que aumentar o sofrimento de uma pessoa, se a pessoa está viva apenas por aparelhos então já é chegada a sua hora.
bjs
Nossa.... que susto Flavio...rs
Acho que a maioria que leu esse post, ficou com essa sensação tbem...
Ainda bem que é só um conto. Mas que nos faz sempre pensar que o hoje é o melhor que temos agora.
beijo
Ficção, sim, Cláudio... mas dá o que pensar, né? Ah, obrigado por ter levado susto! :) Abração, bom fds!
Cissa, obrigado. E a situação, realmente, é muito dificil... depende das coisas em que se acredita, né? Bjs
DB, sabemos disto. Mas o principal é que sempre se cumpre a vontade de Deus... que nos concedeu o livre-arbítrio! Obrigado pela opinião, abraço grande! :)
Lucia, eu concordo com vc. Mas pergunto: desligar aparelhos que prolongam artificialmente uma existência, seria tirar a vida? Este é exatamente o ponto e o debate que pretendi criar. Obrigado pela opinião sobre o texto, viu? :) Bjs
Isto, Luma: um sofrimento a mais para o doente... e todos aqueles que o amam. Talvez, qd a vida é artificialmente prolongada, seja maior a agonia do espírito. De toda forma... é um tema que vale a pena analisarmos, né? Bjs, bom fds!
Xará, por aí: se a sobrevivência se tornou artificial, a hora natural já teria chegado. Eu acredito nisto, tb. Bjs
Clara, brigado por ter levado susto, viu? ;) Eu pretendo que essa hora ainda demore muito! :) Mas vc tem razão: o hoje é sempre o melhor que temos... quem dera, sempre lembrassemos disto! ;) Bjs
Flávio, desligar aparelhos é cercear a vida de pessoas sim. Já ouvi falar de casos que se leva um bom tempo em coma e volta de uma hora para outra. Já fiquei em coma por dias, quando era adolescente e sinceramente, não gostaria que alguém tivesse tomado essa decisão. Só Deus sabe decidir sobre nossas vidas e nós não temos o direito de decidir por ele. Quando chega nossa hora, essas situações não acontecem simplesmente morremos.
Bjs.
Comovente seu conto, achei que fosse realidade, mas no fim vc diz, o personagem, que o "meu espírido" e não o dela, ai pensei, é ficção.
Ótimo texto.
Sou totalmente a favor e vcs são testemunhas aqui de que eu NÃO quero viver com aparelhos.
A Igreja se mete demais na vida das pessoas. Onde está o livre arbítrio? Ou viemos de Adão e Eva, mesmo? ai eu me calo.
Vixe! vou pro inferno, que meda.
Bjs tks.
Era um assunto que eu quase falei, importantíssimo, mas eu sabia que ia provocar discussão e eu não tenho paciência. Adorei "Mar adentro" e na época houve mtas discussões, né?
Flavio querido
uma lagriminha teimosa resolveu ficar aqui no meu olho até o final do texto quando ela caiu e respirei aliviada com o cessar do sofrimento e da vida vegetativa quando os aparelhos foram desligados.
Concordo que manter um corpo inerte só alimenta a dor dos que o amam, nada mais resta, apenas saudade,então, que se dê liberdade a esse espírito e ao dono da matéria.
Boa demais a abordagem desse tema tão polêmico e que ainda bem a medicina está reformulando.
lindo domingo
beijosssssssssssss
Eu sou contra, a não ser q o doente ainda de posse de suas faculdades normais tenha deixado por escrito. Sou contra, não quero q façam comigo e não faço em ninguém.
Bom domingo, beijo*.*
Penso exatamente como você Flavio: espero que aconteça assim, se tiver que ser.
Lindo conto, belíssima descrição de amor. Obrigada pela emoção.
beijos querido,
Complicado...tomei um susto. Um alívio saber ser um conto. Não tenho uma opinião formada sobre isso quando se trata de outras pessoas, mas digo para quem convive comigo que, caso eu viva algo assim não me mantenha presa em aparelhos, pois a vida natural é que decidirá o momento de seguir ou parar.Entretanto acredito em "milagres" e fico confusa quando se trata do outro. Fico feliz em vc saber qual é "a minha cara".Bjs.Boa semana.
houve, ja faz um certo tempo, acho q no ano passado um comoção em decorrência de um caso nos EUA sobre eutanásia, um marido queria dar paz a esposa sem chances de recuperação q vivia em sua prisão corporal a mais 10 anos..escrevi um post sobre isso no meu antigo blog e na época até recebi alguns coments de aprovação, mais a grande maioria eram egoistas e só pensavam na própria dor da perda e ñ da da pessoa que estava morta me vida..
Lúcia: pensamos diferente, neste ponto. Mas, como dizem os franceses, "viva a diferença!". ;) Bjs
Laura, é só ficção... e fico feliz em saber que vc gostou. Qt ao inferno, não esquente... acho que vc tá livre dele! :) Bjs
Clarinha, realmente é um tema polêmico... mas é bom saber que não sou o único a ter essa opinião. Bjs ;)
Jess, as nossas opiniões são diferentes... mas a amizade é a mesma, viu? ;) Bjs
Tina, obrigado a vc, pela gentileza. E tb por corroborar a minha opinião. ;) Bjs
Rita, realmente é muito complicado: mas eu tb quero que seja assim, comigo. Qt a saber qual é "a sua cara", é fácil: sentimento e poesia. ;) Bjs
Caraca. Sem palavras.
Ana Shirley, lembro-me desse caso; uma briga judicial entre o marido e a família. De fato, reacendeu a polêmica; mas é debatendo que aperfeiçoamos as idéias. :) Bjs
Ricardo: é complicado, mesmo, não é? Principalmente qd a vida não é nossa, mas de alguém amado. Abração, amigo.
Lindo lindo lindo!
Mas eu ainda não sei o que penso sobre esse assunto ...
"Quando uma pessoa entra em Coma, podem ocorrer 3 coisas diferentes: ela pode acordar para o seu normal anterior, ela pode morrer e ela pode passar a apresentar Estado Vegetativo. É impossível prever o que vai acontecer com alguém em EVP. O paciente pode ficar assim anos, e depois acordar. Ou ficar assim anos, e acabar morrendo. A maioria, porém, acaba por falecer num período de meses. Geralmente, quando o paciente acorda, ele o faz diretamente do coma; é muito raro um paciente em EVP voltar ao seu normal".
Trecho extraído do Google sobre o coma. Portanto, a probabilidade existe e é em cima dela que depositamos as esperanças. O amor é sublime, porém não nos transforma em Deus.
Nossa Flavio,foi tão bem contado desde o começo que cheguei a imaginar que era de verdade.
Ainda bem que não.Mais sabe eu acredito que em algum lugar alguem ja viveu e até vive situações assim.
Beijos e boa semana pra você.
Flávio, com que maestria você induz o leitor a pensar, no princípio, que é "ela" que está em coma e não o narrador. Depois, no final, a revelação. Muito bom texto!
Márcia, é complicado mesmo. Mas comece a pensar... e depois me conte! :)
Anônimo, respeito seu ponto de vista. Mas, confesso, o meu é diferente... :) abraço grande!
Mary, com certeza alguém vive um dilema assim, em todos os dias. Esperemos que o amor e a lógica sempre inspirem a melhor solução... :) Bjs, boa semana procê
Marconi, vc percebeu o detalhe... a ideia inicial foi exatamente deixar essa duvida. Mas a duvida maior continua... o que cada um de nós faria, nessa situação? Abraço gde!
Flavio, eu também nunca pensei nisso. Talvez seja coisa da idade, não é? rsrs
Júnior, com certeza é! Gente nova nunca pensa na morte. ;) Abração
Que lindo! Posso dizer que calou fundo em mi tais palavras. Ainda não sei o que pensar sobre o assunto, mas confesso que esse texto me faz pensar sobre o tema por outro ângulo.
Lindo feriado pra ti!
Acho um assunto muito difícil e só tenho uma certeza: a vida é cheia de surpresas...
off topic - valeu o voto na enquete... e maldito sistema decimal, tive que selecionar dez posts. vários muito bons ficaram de fora... inclusive teu pirocão!!! (hehehehehehe - no bom sentido)
abração!
Mani, somos mesmo. Talvez porque o apego às coisas mundanas seja mais forte aqui no Ocidente.
Chris, obrigado... e fico muito feliz com isso. É legal, qd conseguimos mostrar um novo ângulo!Bjs, bom feriado! :)
Paulinho, realmente é. E este é um dos seus maiores encantos, vc não acha? ;) Abração
Serbon, se eu entendi bem... vc preferia que meu pirocão estivesse dentro, é? ;) Desculpa mano, não resisti! :) Abração
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