12.21.2005

ESPECIAL DE NATAL - DEZ REAIS



Hoje, vou fugir ao estilo deste blog; senti vontade de contar um "causo" real que aconteceu comigo, há cerca de dois anos. Tenho certeza que os meus incontáveis (não porque são muitos, mas porque não conto os amigos) leitores me perdoarão; embora seja um caso banal, o que aconteceu no final é impressionante. Gosto de pensar que não foi coincidência.
Esta é, também, uma forma de desejar Feliz Natal a vocês; de agradecer pela companhia e dizer que peço a Deus um Ano Novo melhor, para todos nós!
Época de Natal.

Estou só, na rua. A solidão é uma presença quase palpável; tão real, que me parece ouvir o eco dos seus passos, junto aos meus, nas pedras da calçada.

Aperto, no bolso das calças, a nota de dez reais. É o meu único tesouro: tudo que me restou do salário, depois de pagar as contas. Na casa humilde, longe deste bairro da chamada “classe média alta”, o frango e o vinho barato já estão comprados; são petiscos especiais, para a noite de Natal. Não sei porque, uma parte de mim ainda acredita nesta época como um tempo de magia.

Na rua, há casas bonitas e edifícios enormes; todos decorados com luzes coloridas, que piscam sem cessar. Até as árvores dos jardins estão cobertas de lâmpadas; como se as estrelas descessem à terra, brilhando sobre o sonho do amor entre os homens, que um Nazareno sonhou há dois mil anos.

De algum lugar, vem o som de “Noite Feliz”: música suave, palavras lindas de amor e paz. Por um momento, quase acredito neste sonho.

Passo diante de um edifício muito alto, que se destaca entre os outros. O seu jardim parece um canteiro de estrelas, e toda a fachada está coberta de luzes. Nas varandas, nas janelas, brilham milhares de lâmpadas; como se quisessem anunciar ao mundo que o amor ainda existe, que podemos ser irmãos.

Entretanto, no topo do prédio existe uma área escura. Percebo, confusamente, o desenho de uma enorme estrela, sobre um grande letreiro; mas as lâmpadas estão apagadas, enquanto todo o resto do edifício resplandece de luzes e cores.

Levo a mão ao bolso da camisa, pego um cigarro. Noto que o maço está quase vazio, preciso comprar outro: uma séria baixa, na minha fortuna de dez reais.

Acendo o cigarro. E vejo uma mulher magra, pequena e mal vestida, sentada no chão, junto à entrada da garagem do prédio, com uma criança no colo; uma pequena trouxa humana, descobrindo os rigores da miséria.

Um carro pára em frente à garagem: grande, bonito, reluzente. Enquanto o portão se abre, a mulher estende a mão, num pedido de esmola. Mas o vidro da janela nem desce; o carro entra na garagem e o portão se fecha.

Fico por ali. E, mal termino o meu cigarro, vejo que o porteiro do prédio se encaminha para a pedinte; chamado, certamente, pelo motorista recém-chegado. Ou por algum outro morador, a quem incomodou a imagem da pobreza.

É um mulato alto e forte, o uniforme cuidadosamente engomado, bigode e cabelos bem aparados. Percebo todos estes detalhes, quando atravesso a rua; ouço as suas palavras rudes, enxotando a mulher, mandando-a procurar um albergue ou uma ponte.

Ele se cala, quando chego junto aos dois. Abaixo-me, seguro a mulher pelo cotovelo e faço com que se levante. Conduzo-a para atravessar a rua, com o andar vacilante que denuncia a fome e o cansaço.

Paramos em frente ao prédio. Olho o seu rosto sujo, desfeito, triste, macilento; percebo a mágoa e a descrença em seus olhos. E, num impulso, tiro do bolso a nota de dez reais e lhe entrego.

A surpresa e a alegria surgem em seu olhar. Ela me entrega a criança, enquanto procura guardar a inesperada fortuna num bolso do vestido rasgado. Seguro o pequenino contra meu peito.

Olho para cima e vejo o topo do prédio, agora iluminado pela enorme estrela, completamente acesa, brilhando sobre o letreiro: “FELIZ NATAL” !

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Nossa, Que coisa mais linda! É isso que sempre digo: Onde está o espírito do Natal para a maioria das pessoas? Precisamos que nossas mesas, na Ceia natalina, esteja farta também de solidariedade, justiça, amor e assim, quem sabe um dia, tenhamos de volta o natal da fraternidade.
Que esse gesto sirva de exemplo. Que em 2006, possamos dar início a uma transformação da sociedade. Que ela seja mais justa, mais humana. Que a paz reine entre as nações e as pessoas comecem a ver o outro como semelhante.
Flávio, que no ano que se aproxima, possamos nos divertir, refletir, trocar ideias e figurinhas, com seus textos maravilhosos.
FELIZ NATAL! para você e todos os amigos que fazem parte desse blog.

4:57 PM  
Blogger Flávio said...

Sabe? Preciso confessar que não foi bem o espírito de Natal que me levou a dar os dez últimos reais. Foi... foi... ah, sei lá! Mas sei que o bem-estar que senti depois valeu bem mais que dez reais! :)Feliz natal pra vc, tb!

9:07 PM  
Anonymous Anônimo said...

O que mais me tocou no episódio, foi o seu gesto de amparo e acolhimento. Isso valeu por tudo. O mundo está cada vez mais carente de pessoas assim.

8:24 AM  
Blogger Unknown said...

Muito bom!

1:40 PM  

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