11.01.2005

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

Em uma das últimas edições do hoje letárgico AZ3, Paulinho (aliás, o autor de boas ilustrações que esporadicamente abrilhantam estes pobres textos) propôs como tema a televisão.

Lembro-me de que, na época, escrevi um conto onde culpava a TV pela separação de um casal. Este é um dos meus piores defeitos: sempre encontro palavras inteligentes, para defender proposições idiotas.

Entretanto, uma das minhas raras qualidades é reconhecer os meus erros. E culpar a TV pela solidão do ser humano, é como atribuir à criatura os erros do criador.

Porque a TV é uma conseqüência, não a causa. Se as mulheres se comovem com os amores da novela, é porque já não se emocionam com os seus próprios amores. E se os homens se empolgam com os lances dos ídolos esportivos, políticos, ou quaisquer outros, é porque já não se vêem como os seus próprios ídolos.

Na verdade, a TV surgiu como uma forma de preencher os hiatos das nossas vidas. Uma das formas, aliás; não esqueçamos que as salas de bate-papo, na Internet, vivem cheias de pessoas que procuram novas emoções. E pagamos ingressos nos cinemas, para nos sentirmos vivos, por algum tempo, com emoções alheias e fictícias.

A verdade é que nos perdemos de nós. A tal ponto, que procuramos formas de nos aturdir; de ocupar todo o nosso tempo, para que não mais nos possamos encontrar como realmente somos. Preferimos viver emoções imaginárias, a nos arriscar com as nossas próprias emoções.

Foi-se o prazer de, simplesmente, ouvir música; ou de ler um bom livro, onde a nossa imaginação nos colocava no lugar dos personagens. Como trocamos a realização de escolher um bom peso de carne, nos açougues, pelo ato comodista de pegar o pacote pronto, nos supermercados.

Vivemos a era de aniquilação do “ser”. Entretanto, uma coisa me conforta: meu filho, de 19 anos, Não é muito ligado em TV; mas é capaz de levar horas conversando com uma (diz ele) amiga. Ou lendo, ou ouvindo música. E, afinal, ele é o futuro; eu sou aquele presente que já se torna passado.

Talvez as novas gerações, em sua ânsia de consertar os nossos erros, consigam resgatar a arte do diálogo; consigam descobrir que a “leveza do ser” não é tão insustentável assim.

Talvez possam redescobrir o prazer de apenas viver e sentir...

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Infelizmente,o ser humano acaba sempre se acomodando as situações, mesmo que elas não estejam lhe satisfazendo. Ou, deixam de admirar algo que já é de seu convio, porque o novo atrai mais, por um determinado tempo. Assim, esa eterna busca gera insatisfação e acaba por fazer parte de nossa vida. Esquecemos de que não é a televisão que afasta casais, mas, o sentido de propriedade, a rotina, o egoísmo, a falta de sensibilidade e percepção do outro, o desinteresse sexual, a falta de amor e muitos outros fatores que nem caberia aqui colocar.
A solidão do homem é fruto de seu próprio egoísmo. Felizmente, ainda existem pessoas que não precisam da TV para viver emoções, pois são capazes de criar as suas próprias. Felizmente, ainda existem homens capazes de dar a volta por cima e sair do marasmo existencial e partir para uma vida plena e feliz, mesmo com as decepções sofridas.

12:20 PM  
Blogger Flávio said...

Profunda verdade. Qd nos entregamos ao egoísmo, a lógica é que encontremos a solidão...

9:39 AM  

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