8.05.2006

INSENSIBILIDADE


Este é um tema que passeia na minha cabeça, há algum tempo; mas assim de forma vaga, nebulosa. Sabe quando você sente que precisa fazer alguma coisa... mas não sabe bem o que? Pois é. Era assim.

Hoje, dei uma passada no blog do Júnior e li o post que ele fez, sobre as pessoas que se comovem com a guerra no Líbano... e ignoram a mortalidade infantil aqui no nosso Nordeste. Aí, o quadro se delineou na minha mente.

Insensibilidade. Esta é a palavra; e a chave é transformar pessoas em números.

Explico: entre uma mordida e outra no sanduíche, a gente lê que 15.000 pessoas morrem de ataque cardíaco, em todo o mundo. E nada sente; por que não são pessoas, mas números. Aí, o Bussunda morre; e a gente fica triste. Porque não é um número, mas uma pessoa. Pior ainda, se for um parente ou outra pessoa querida.

A gente lê que 280.000 pessoas perderam a vida no tsunami de 2004; ou, ainda, que 2.800 famílias ficaram desabrigadas com as chuvas, na cidade tal. E as vítimas se transfiguram em meras estatísticas. Nada sentimos. Nem uma lágrima rola de nossos olhos. Porque não são pessoas que vemos, mas números.

Entretanto, choramos ao assistir um filme. Porque, embora saibamos que os atores apenas representam, nós os vemos como os personagens; como pessoas. Por isto, sentimos as suas dores.

Complicado? Talvez. É possível também que, diante de tantas misérias que ocorrem diariamente, tenhamos desenvolvido a insensibilidade como uma espécie de autodefesa. Só as nossas próprias dores atravessam o escudo; ou nós mesmos o abaixamos, quando queremos. Por exemplo, quando vamos ao cinema.

Com a globalização, temos acesso às tragédias mundiais; talvez por isto, apenas reagimos às domésticas. É muita dor para suportarmos. Só mesmo a Carolina para, em seus olhos fundos, guardar todas as dores do mundo; e a Carolina é apenas uma personagem do Chico.

Talvez o nosso egoísmo tenha aumentado. E por isto reservemos a nossa compaixão para as nossas próprias tragédias, aqui incluídas as daqueles que amamos. Sentir as dores da pessoa amada talvez seja a forma mais refinada do egoísmo.

Seja lá porque for, a verdade é que a insensibilidade aumenta a cada dia. E precisamos combatê-la; não podemos permitir que nossos corações vejam pessoas como se fossem números.

Ou também deixaremos de ser pessoas. E nos tornaremos máquinas de contabilizar números...

24 Comments:

Blogger Palpiteira said...

Enquanto houver essa multiplicação absurda e descontrolada, serão apenas números.

12:23 PM  
Anonymous Anônimo said...

nesse mundo tudo e grande demais...dimensionado demais...e tudo vira apenas numero..o ser humano perdeu a sensibilidade diante do caos..

1:07 PM  
Blogger Unknown said...

A gente chora e se comove por aqueles que a gente tem uma relação de afeto, ou por aqueles que a gente desenvolve essa relação (no caso de um filme ou livro). Se é egoismo eu não sei, mas eu também acredito que se a gente for passar a vida inteira sentindo a dor de todo mundo a gente vai viver a vida chorando. Vixe, Flávio será que também sou insesível?

2:02 PM  
Blogger Flávio said...

Palpi, realmente esta é uma faceta do problema: somos tão expostos a essa multiplicação absurda e descontrolada, que tudo se transforma em números..

6:02 PM  
Blogger Flávio said...

Cilene, é isso. E não podemos perder a sensibilidade. Ela, mais do que o raciocínio, nos diferencia dos animais...

6:05 PM  
Blogger Flávio said...

Márcia, se fosse não escreveria o que vc escreve no Namastê... nem eu iria lá todo dia! :)Mas é como você disse: também não podemos sentir a dor de todo mundo. Onde andará o ponto de equilíbrio? ;)

6:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

Professor, eu diria que as tragédias ficaram superlativas. Veja, é dificil imaginar 280.000 PESSOAS mortas. Melhor ficarmos com os números.

6:47 PM  
Anonymous Anônimo said...

Exatamente, a conseqüência disso é que acaba tudo ficando banalizado, que vem a falta se sensibilidade...

9:54 PM  
Blogger Flávio said...

Rappha, realmente é difícil imaginar uma mortandade dessas. Mas, infelizmente, aconteceu; havia uma pessoa, por trás de cada número... :(

10:32 PM  
Blogger Flávio said...

Rafael, realmente uma pena. Como vc disse, é triste só vermos como pessoas aquelas do nosso cotidiano...

10:40 PM  
Blogger Flávio said...

Chari, é aí que mora o perigo! Se banalizarmos o amor, a tristeza, a felicidade... o que será de nós,como seres humanos? :(

10:49 PM  
Anonymous Anônimo said...

Flávio, viu como sempre passo por aqui? Nem que seja de madrugada! rs
Bom tema, isto realmente vem acontecendo com todos nós!

1:46 AM  
Blogger Flávio said...

Vi, Júnior... e acho que vc devia dormir mais cedo; a juventude não dura o tempo todo!
Viu como ainda não tou insensível? Me preocupo com vc! ;)

11:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

Flavio,
Obrigado pela citação, fico feliz que tenha gostado do meu post.
É estranho mesmo, eu consigo entender, mas não vejo justificativa. Acho que a mídia tem uma parcela de culpa muito grande, selecionando e trabalhando a forma de nos mostrar as coisas, de acordo com a necessidade do momento. A tal da globalização também tornou a vida das pessoas, no geral, um salve-se quem pudar. Precisamos ficar atentos a isso, cuidar sempre de como vemos o mundo ao nosso redor.
Abração, bom final de domingo e ótima semana pra ti.

8:30 PM  
Blogger Flávio said...

Os Juniores tão aparecendo juntos, é? :)
Júnior, falando sério, eu tou com vc: é fácil de entender, sim... aliás, uma parte da explicação está em cada um dos comentários. Mas precisamos controlar isto, ou o mundo se tornará uma selva.
Obrigado pelos votos; que tenhamos todos uma ótima semana! :)

10:06 PM  
Blogger Cristiano Contreiras said...

As pessoas tendem a não se preocupar com o alheio, com o seu cotidiano e o alheio. Isto é terrível.

1:39 AM  
Blogger Flávio said...

Cristiano, é isso. Com o tempo, até deixamos de sentir...

9:05 AM  
Blogger paulinho said...

Eu ia dizer- excelente texto-, mas prefiro não julgar e dizer apenas- adorei o texto. Um assunto importante e bem desenvolvido. Sobre isso eu recomendo o filme “A Montanha dos Sete Abutres”, eu acho que é esse o nome, com Kirk Douglas. É sempre bom nos lembrarmos que somos seres humanos e exercitarmos nossa humanidade. Saudade, velho.

10:21 AM  
Blogger Flávio said...

Paulinho, qualquer montanha é bem vinda... desde que não seja a Brokeback Mountain. Nessa, eu não vou mesmo! :)

11:28 AM  
Anonymous Anônimo said...

Muitos são os motivos da insensibilidade humana. Em algumas pessoas, o mecanismo de defesa leva o indivíduo, a fechar os olhos e ouvidos aos fatos; Assim, esperam evitar sofrimentos, por se sentirem impotentes. Outras são tão frias e egoístas que só conseguem enxergar a si mesmas; Elas são as únicas que têm problemas, ou ainda, os delas são sempre mais importantes. Ainda existem as que se sensibilizam tanto que se sentem fragilizadas e omissas por não possuírem formulas para minimizar os problemas. Por fim têm aqueles que de tanto conviver em meio a essas tragédias, acabam se acostumando.
De qualquer forma, toda e qualquer morte fora do contexto natural da vida é sempre chocante. Não importam números ou lugares. Se racionais ou irracionais, Qualquer espécie de agressão, que ceifa vidas é muito triste e lamentável.
Insensibilidade, talvez seja não entender os diferentes modos de reação de cada ser.
Flávio, parabéns pelo tema abordado. Quanto mais falarmos das questões humanas, mais fácil vamos chegar a um entendimento do outro.

1:17 AM  
Blogger Flávio said...

anônimo, obrigado pelos parabéns e pela valiosa contribuição. Entender os mecanismo que vêm disseminando a insensibilidade, já é um passo no sentido de resolver o problema...

9:18 AM  
Anonymous Anônimo said...

Flávio, eu acho que o problema da transformação em números é insolúvel, pelos motivos enumerados por vocês e pelos outros que comentaram. Mas acho que isso não impede que o Estado, pressionado e monitorado pela sociedade, cuide de cada um desses problemas. A implantação dos programas sociais para reduzir a fome, as doenças e o analfabetismo podem ser só números para os ministros, mas eles tem que se importar muito com os números. E, à medida que a cadeia desce - segundo escalão, burocratas, médicos, professores - eles tem que se importar com as pessoas. Cada um no seu papel.

Sbub

5:17 PM  
Blogger Flávio said...

Sbub, concordo com vc. E, por trabalhar com política, posso lhe assegurar que, qto mais o escalão desce, menos o servidor está preocupado com o povo. Preocupa-se mais em saber qto ganha cada um, em puxar o saco do chefe, essas cosinhas. Pior do que números, as pessoas para eles se tornam incômodos.
Quem duvidar, basta ver onde estão os maiores desvios de verbas dos programas sociais: ou como os funcionários do INSS atendem os segurados, nos postos...

5:41 PM  
Anonymous Anônimo said...

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11:14 AM  

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