11.30.2006

A TRAGÉDIA DO BAR DO BRAGA


De início, faço questão de agradecer os votos dos amigos; a torcida foi tão grande que aqui estou eu, de volta aos blogs. E vou contar mais um causo de bancário.

Neste, vou precisar mudar o nome do protagonista. É que ele ainda está em plena atividade, como gerente geral, e certamente vai ler esta postagem. A mudança de nome, aliás, foi condição para me autorizar a contar a história.

Digamos, então, que o nosso herói se chama Braga. É carismático, comunicativo e tem um coração enorme; entretanto, é também dado a eventuais (e passageiras) explosões. Detesta, principalmente, o ruído de choro; quando alguém chora perto dele, o Braga perde as estribeiras.

Celibatário convicto e gerente geral há mais de 20 anos, é isento de despesas familiares e desfruta de boa condição financeira, que lhe permite usufruir dos prazeres da vida.

Viaja ao exterior todos os anos e, com essas viagens, organizou ao longo do tempo uma invejável coleção de bebidas, desde o legítimo saquê japonês aos mais finos vinhos e conhaques europeus, alguns até seculares, e os melhores uísques do mundo, com direito inclusive a um autêntico Royal Salute fabricado há mais de 30 anos.

Para melhor organizar o seu valioso estoque etílico, o nosso herói mandou construir um bar e adega sob medida, em vidro blindex, fixado à parede da sala de seu amplo apartamento. Em um compartimento escondido do móvel, guardou duas modestas garrafas de Cointreau e Santa Felicidade, que recebera de colegas do banco e por isto conservara.

Pouco depois de instalado e arrumado o bar, menina de seus olhos, saiu o Braga num sábado, para dar um passeio. E, ao retornar, encontrou a cena desoladora: no chão, os pedaços de vidro blindex se misturavam aos cacos do que haviam sido as preciosas garrafas.

Sobre o legítimo (e caríssimo) tapete persa, a cruel inundação de um líquido sem cor definida, aleatória mistura de vinho, conhaque, uísque, saquê, licores e sabe-se lá quantas outras valiosas bebidas. A síndica do prédio e a moradora do apartamento vizinho, na sala, consolavam a velha Genésia, fiel empregada de muitos anos, que soluçava baixinho.

O coração do Braga deu um salto, apavorado. E piorou quando a Genésia, vendo entrar o patrão, voltou a chorar bem alto e correu para ele, soluçando:

- Seu Braga, não foi minha culpa! Eu não fiz nada! Tava passando e o bar caiu!

Era demais! O nosso herói calculou por alto: bar, garrafas e tapete, um prejuízo de uns 40 mil reais. Doeu! Mas, naquele instante, o pior era o choro da velha, aquele “Hu-hu-hu-hu” incessante, em seu ouvido. E o Braga soltou um de seus famosos gritos:

- Peraí, Genésia! Pára de chorar!

A velha não parou. E, por entre os soluços, disse:

- Mas não quebrou tudo não, seu Braga! Olhe aqui, olhe!

Estendia as mãos, com duas garrafas: o Cointreau e o Santa Felicidade. Sem trocadilhos, foi a gota que faltava. Ao vê-las, os olhos do Braga se arregalaram; um pouco de espuma se formou no canto da boca, sacudida por um riso nervoso. Ele arrebatou as garrafas de Genésia:

- Ah! Não quebrou não, foi?!

Arremessou, com toda força, as garrafas contra o chão, onde se transformaram em novos cacos, enquanto as humildes bebidas, democraticamente, se misturavam às suas aristocráticas similares. E as mulheres correram da sala, enquanto o Braga, como alucinado, repetia sem parar:

- Agora quebrou, viu? Agora quebrou!!!

11.29.2006

UPGRADE 2: O SEXO DOS ANJOS


Embora não tenha recebido muitos comentários, o assunto Carta x Mainardi tornou-se um dos mais polêmicos já abordados aqui no blog.

Com este upgrade, da minha parte encerro o tema. Perseverar nele, me parece, seria como discutir o sexo dos anjos. Porque a grande dúvida é se o comentário maldoso foi colocado de má fé, ou se o Mino foi vítima de uma falha de triagem; e isto jamais saberemos com 100% de certeza.

Pode ser que ele tenha sido conivente, como aventaram o Cláudio o Jùnior e o Ricardo. Também, como observam o Serbon e a Márcia, o comentário pode apenas ter passado; seria normal, principalmente num blog com muitos comentários, e calculo que o blog do Mino deva ter um volume enorme de comentários.

Qualquer destas coisas pode ser acontecido. Como o Serbon, que conhece pessoalmente o Mino, diz que ele não faria isto, eu me inclino a acreditar. Não conheço o Mino, mas conheço o Serbon.

Do episódio, tenho certeza, três pontos são unânimes:

1) o cara que fez o comentário é um grande filho da puta. E, se alguém o incluiu por conivência, com certeza é irmão dele.

2) Mais uma vez, honramos o nome do blog. Provamos que aqui cada um diz o que pensa. E diz com argumentos, com lógica, com ponderação. Com respeito, principalmente, mesmo que não concorde com a opinião do outro. Trocamos idéias, não ofensas. Esta atitude nos faz crescer sempre mais.

E eu agradeço a vocês, por isto!

11.28.2006

UPGRADE : NÃO FOI O MINO

Sempre solícitos e bem informados, dizem-me os manos Serbon e Marconi que não foi o Mino Carta o responsável pela maldosa (e cruel) observação sobre o filho do Mainardi, mas alguém que comentou no blog do Mino.

Mantenho a minha posição, ou seja: acho que o autor do comentário continua a ser um grande filho da puta, sem princípios, sem caráter e sem valores humanos. Mas, pela credibilidade que me merecem as fontes, acredito que não foi o Mino; e agradeço aos amigos, que me impediram de cometer uma injustiça... ou de nela perserverar.

E, no mais, tou adoentado; assim que melhorar, volto a postar e a visitar os blogs. Eu sinto falta de vocês!

11.23.2006

UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS


Infelizmente, preciso voltar a falar sério.

E digo “infelizmente”, porque o tema que vou abordar é daqueles que me revoltam: a insensibilidade. A falta de respeito pelo sofrimento alheio.

Eu não gosto do Diogo Mainardi; isto é público e notório. Acho que o Diogo é inteligente e escreve bem; poderia (e deveria) usar estes dons para fazer algo mais útil do que simplesmente ganhar a vida e criar polêmicas. Acho que ele escolheu uma forma pobre de fazer sucesso.

Já o Mino Carta, pra mim, não fede nem cheira como articulista. Li alguma coisa dele, se não me engano, na Carta Capital; não gostei nem desgostei particularmente dele, nem da revista. Tenho amigos blogueiros que, na minha opinião, escrevem melhor.

Leio, entretanto, no blog do Ricardo, que o Mino Carta, num entrevero com o Diogo Mainardi, disse que tudo que o adversário sabe fazer é paralisia cerebral; referindo-se a um filho do Diogo, que teria essa doença.

Bem, eu não sabia nem que o Mainardi tinha filhos. Mas, se essa informação for verdadeira (deve ser, porque o Ricardo não mente) e eu tiver entendido bem, o Mino Carta é um bom filho... da puta! No sentido mais lato do termo, porque não conheço e provavelmente jamais conhecerei a senhora que o gerou.

Mesmo os mafiosos, em suas guerras internas, respeitam os familiares dos adversários, que chamam de “paisanos”. Só o pai que tem um filho nessas condições, sabe a dor que sente; e essa dor deve ser respeitada!

Um argumento desses, lançado numa discussão, derrota imediatamente aquele que o usou. Mais: mostra que a pessoa não tem educação doméstica, princípios, caráter, moral, nem personalidade. A meu ver, nem merece a denominação de “pessoa”, de ser humano.

Desculpem-me; sei que não me cabe julgar ninguém. Mas um procedimento desses, realmente me deixa indignado. E indignação é algo muito difícil de segurar.

Repito: não tenho maiores informações sobre o assunto. Até peço aos amigos que, se souberem de algo a ele relacionado, por favor, me repassem. Não me deixem cometer uma injustiça.

Mas, se for verdade, pouco me interessa o eventual talento do Mino Carta, para escrever; com certeza, nada mais lerei que tenha sido por ele assinado.

Não vale a pena ler alguém que tenha sido capaz de escrever algo assim!

11.22.2006

UMA HISTÓRIA MEIO SUJA...



Como eu não ando querendo pensar em nada sério, aqui vai mais um causo dos meus tempos de funcionário do BB, no interior baiano.

O Roberto era um colega brincalhão, amável gente boa. Mas sofria de uma prisão de ventre, crônica e brava; só de vez em quando, com muita dificuldade, conseguia aliviar as tripas. Lembro-me de uma vez em que ele me dava uma carona (de fusca), entrou apressadamente na rua principal e um caminhão enorme buzinou forte, bem atrás da gente. Ele falou:

- Oba! Vou comprar a buzina!

- Pra que, cara?

- Beleza! Me caguei todo! E isso é raro...

Era brincadeira, claro, mas isso dá uma boa idéia do problema. Segundo ele, a vontade só vinha uma vez por semana, em média. E era preciso muita concentração, pra conseguir concluir a obra; qualquer zoadinha, qualquer coisa que o distraísse, podia botar tudo a perder. E aí era preciso esperar mais uma semana. Mas, quando ele conseguia... bem, aí era uma festa!

E a nossa história ainda tem o Venâncio, que era o servente do Banco. Humilde, dono de um sorriso muito aberto e uma amabilidade incrível. Era aquele cara que, se encontrasse você vinte vezes no dia, lhe cumprimentava nas vinte:”Bom dia, seu fulano. Tudo bem, seu fulano?”. Incrível, mesmo!

Naquele tempo, tinha sido inaugurada uma nova agência. Bonita, grande, com dois andares. E um sábado, de manhã, o Roberto estava na feira, fazendo as compras, quando sentiu a sonhada vontade. Bem forte. Pensou em correr para casa, mas desistiu; estava com visitas, muito barulho. Não teria a concentração necessária.

Foi aí que se lembrou: estava com a chave da agência. Sábado, banco fechado, ninguém por lá. Solidão total, sossego completo. E correu para o banco, antegozando a cagada do século.

Entrou, foi para o segundo andar, inspecionou rapidamente o WC e se decidiu pelo terceiro cubículo: estava limpinho, tinha papel, tudo tranqüilo. Arriou as calças, sentou e se concentrou. Estava quase conseguindo, quando:

- Bom dia, seu Roberto!

Pronto: o obrador trancou. Os cubículos eram naquele estilo de shopping, meia-parede; e, quando o Roberto olhou para cima, lá estava o Venâncio, trepado na escada de ferro que levava para o teto da agência, onde ia lavar os tanques. E repetiu, aquele sorrisão no rosto:


- Bom dia, seu Roberto! Tudo bem, seu Roberto?

Abafou o palavrão e a raiva; respondeu e viu o Venâncio acabar de subir e desaparecer pela portinhola da laje. Em condições normais, teria desistido e ido embora; mas, naquele dia, a vontade era tanta que resolveu insistir.

Procurou relaxar, voltou a se concentrar e, aos poucos, foi conseguindo. Demorou, mas um sorriso satisfeito lhe iluminou o rosto, quando a primeira e sofrida remessa começava a sair para a luz do dia. E então:

- Bom dia, seu Roberto! Tudo bem, seu Roberto?

Era o Venâncio, descendo a escada, de volta da lavagem dos tanques. Daquela vez, travou tudo. E só dez dias depois o Roberto conseguiu destravar.

Ele dizia que, toda vez que sentava no vaso, via a cara do Venâncio...

11.18.2006

O PÉ DA TIA E O MINGAU DE MAIZENA


Em 1970 cheguei a Amargosa, para trabalhar no BB. Na época, a cidade ainda não era famosa pelo São João; aliás, não era famosa por coisa nenhuma. Era uma merrequinha de cidade, com cerca de 7.000 habitantes, já incluída a zona rural. Pequena, mesmo; mas bonita e pacata.

O pessoal do Banco do Brasil morava em uma “República”: uma casa enorme, onde cada um tinha seu quarto e todos dividiam as despesas. E foi pra lá que eu fui. Éramos eu, Tião Mineiro, Gil, Sant’Anna, Roberto, Hélio, Brochado (vê lá se isso é nome de gente!) e Wanderlei, mais conhecido como Badeco.

O Badeco tinha deixado uma noiva, em Salvador, pela qual era apaixonado; assim, não namorava ninguém na cidade. E muito menos ia ao puteiro (pois é, naquela época havia puteiros); isto o transformava em alvo predileto das nossas piadas, já que nenhum dos outros era, digamos, santo ou apaixonado.

Havia, também, a Tia Maria. Seria a empregada da república, se não fosse a “mãezona” de todos nós, com autoridade bastante para dar um baita esporro em qualquer um que saísse da linha.

Que me desculpem os politicamente corretos, mas não vou dizer que Tia Maria era afro-descendente; seria errado. Ela era a própria africana: negra, daquelas que a pele até parece azul. Baixinha, com 1m50 de altura, e gorda; tão gorda, que até parecia quadrada.

Ninguém sabia a sua idade; dizia-se que tinha sido escrava. Tampouco, alguém havia visto os seus cabelos, se eram brancos ou não; ela usava um lenço, na cabeça, que parecia haver nascido ali. Passei um ano na república, e nunca vi Tia Maria sem o tal do lenço.

Ignorante ao extremo, no sentido mais amplo do termo. Não sabia ler; muito menos escrever, é claro. Mal fazia as contas mais fáceis e falava tudo errado. O pessoal adorava pedir que Tia fosse no bar da esquina, comprar cerveja, porque ela falava “Drama” e “Fantástica”, em vez de Brahma e Antarctica; as únicas marcas que havia naquele tempo.

Só andava descalça; dizia que não havia sapatos que dessem em seus pés. E, realmente, os pés da Tia Maria eram enormes; como se estivessem permanentemente inchados. Descalça, ela andava em casa, ou cruzava a cidade, como se não sentisse o chão quente do meio-dia.

Um sábado, estávamos todo sentados à mesa, almoçando. Tia Maria servia os pratos, calada, com a cara emburrada. Tião, que já tinha tomado umas duas cervejas, perguntou:

- Que cara é essa ,Tia?


Ela respondeu bem alto, ainda de cara fechada:

- Eu não vou mais limpar o quarto de Badego!

Não lembro quem foi, mas alguém perguntou:

- Por que, tia?

E ela:

- Fui limpar aquela porcaria hoje de manhã, e na hora que eu vi, tinha enfiado o pé no mingau de Maizena. Nunca vi, um homem desse tamanho que ainda toma mingau na cama e derrama tudo! Caiu até no lençol!

A gargalhada explodiu, em volta da mesa. E nasceu o apelido de “Badeco Punheteiro"...

11.14.2006

O ODILON E O GETÚLIO


Como já disse a vocês, ganho a vida como marketeiro. E às vezes o trabalho (graças a Deus!) aumenta muito, tomando praticamente todo o meu tempo. Daí, fico sem poder postar ou, sequer, visitar os blogs dos amigos; aliás, uma de minhas atividades favoritas.

Mas sempre volto. E hoje, para comemorar mais um retorno, vou contar outro causo, como pediu o mano Serbon. Só que este não é de político; aconteceu quando eu trabalhava no Banco do Brasil, lá pelos idos (e bem idos!) de 1969.

Naquele tempo, o atendimento no banco era completamente diferente. Você chegava, entregava o documento e ficava em uma sala de espera, enquanto os funcionários faziam o processamento e passavam para o caixa; quando já havia uma quantidade razoável de documentos prontos no caixa, um funcionário ia à sala de espera e chamava os clientes que seriam atendidos naquela hora.

Em nossa agência, quem fazia esses chamados era o Odilon. Um contínuo, gente boa, mas muito “invocado”, como se diz aqui na Bahia. Mulato enorme e forte, usava um bigodão impressionante; não era dos mais inteligentes, mas lia bem e tinha a voz grossa, daquelas que parecem ecoar por todo canto. Por isto fora escolhido para fazer a chamada, trabalho que desempenhava com muito gosto, engrossando ainda mais a voz e falando o mais alto que podia. Ninguém ficava sem ouvir o Odilon, em toda a agência.

Machão e machista, o nosso herói fazia questão de apregoar isso aos quatro ventos, não admitindo qualquer brincadeira sobre a sua masculinidade; naquele tempo, aliás, essas brincadeiras não eram comuns, diga-se de passagem.

Uma segunda-feira, a agência estava lotada! Gente saindo pelo ladrão, a sala de espera apinhada, que não cabia mais ninguém, os clientes já reclamando. Eu acabara de colocar mais uma leva de documentos processados no caixa, quando o Getúlio, colega que fazia as listas para a leitura do Odilon, me chamou:

- Psiu! Vamos ver o Odilon ler essa lista!

- Tá doido, cara? Tou cheio de trabalho!

- Só um minuto. Pode acreditar que vale a pena. Vamos lá!

Fomos e ficamos por perto, fingindo beber água. Quando Odilon entrou na sala, fez-se um silêncio absoluto, cada cliente torcendo para ser chamado daquela vez. No silêncio, a voz do gigante era ainda mais impressionante:

- Antonio Souza da Cruz!

Lá se foi o Antonio para o caixa, com evidente expressão de alívio. Depois dele, outro cliente; e outro, e mais outro. Lá para o sexto nome, o Getúlio cochichou:


- É agora!

E a voz do Odilon trovejou:

- Jacinto Pinto Aquino Rego!

Ninguém apareceu. Surpreso, o Odilon olhou em volta. E repetiu a chamada, ainda mais alto:

- Jacinto Pinto Aquino Rego!

De repente, a ficha caiu. E a gargalhada, que começou não se sabe onde, tomou conta da sala, chamando a atenção de toda a agência. Como se dizia naquele tempo, era todo mundo rindo a bandeiras despregadas; só então, o Odilon percebeu. E olhou para trás, onde eu e Getúlio nos torcíamos de rir, encostados à parede. Do jeito que ele gritou, até parecia que continuava a chamada:

- Getúlio, filho da puta!


Acreditem: deu trabalho, pra segurar o Odilon.

11.10.2006

EUTANÁSIA

Eu sempre detestei os quartos de hospital.

Acho que todos eles são iguais, em qualquer lugar do mundo; têm um cheiro particular, frio, agressivo. Um cheiro de desespero, de esperanças desfeitas, de sofrimento e indiferença.

Talvez eu adivinhasse o futuro. Porque, agora, este quarto de hospital é todo o meu mundo; um mundo de saudade, de tristeza, de aceitação resignada. E, quanto maior a resignação, mais tênue a linha que a separa do mais profundo desespero.

De olhos fechados, vejo você inteira, na minha imaginação. Revivo nossos momentos: o eterno namoro, o sexo sempre ardente e cheio de ternura. Revejo os seus pequenos gestos, a luz do seu sorriso, a forma de balançar a cabeça, de morder os lábios. Até a sua voz ainda parece ecoar na minha mente. Eu a amo tanto!

Mas a imaginação não pode suplantar a realidade; apenas atrasa um pouco a sua dura percepção. O corpo na cama é esquálido e macilento; a veia está inchada, no lugar onde a agulha injeta o soro que tenta substituir o alimento. É um corpo inerte, feio; sem o menor traço de movimento, que lembre a bela pessoa que já foi um dia.

São quinze meses de coma. Uma eternidade de sofrimento, para nós dois. Por mais que tentemos medir o tempo, ele foge ao nosso controle. As horas felizes parecem voar, enquanto os minutos de sofrimento nos parecem eternos.

Tivemos momentos de alegria, outros amargos e tristes. Como todos os casais, alternamos compreensão e brigas, mágoas e perdão; choramos as ilusões perdidas, e aprendemos a conhecer os nossos defeitos. Mas, hoje, percebo que o nosso tempo pareceu voar; e isto significa que fomos felizes.

Entretanto, a felicidade não foge ao tempo. E isto não me revolta; antes de lamentar a separação, agradeço por tê-la conhecido. Juntos, conhecemos o amor; e ele nos manterá unidos para sempre.

Ambos sabemos o que deve ser feito; não haverá remorsos, nem ressentimentos. Neste quarto de hospital, perdidos na madrugada, vivemos os nossos últimos momentos. E os vivemos com amor, com cumplicidade, com ternura e compreensão; como vivemos a maioria do nosso tempo juntos, e como deveríamos ter vivido em todos os dias da nossa vida.

Ainda mantenho os olhos fechados. Não preciso abri-los, para ver você; é em minha mente que você está e estará sempre. Você faz parte de mim: está em meu sangue, em cada parte de meu corpo, no menor de meus pensamentos. Você viverá sempre em mim.

De repente, um pequeno e inesquecível milagre: tenho a sensação de sentir a sua mão em meu rosto, num afago carinhoso. Depois, sinto como se os seus lábios tocassem os meus, como antes; é um beijo suave, não uma despedida, apenas um beijo do mais puro amor. A sensação é tão doce e tão forte, que uma lágrima de felicidade se forma no canto de meu olho; posso sentir o seu contato frio no meu rosto.

Sou feliz, neste instante. É como se eu a visse; como se visse as lágrimas que escorrem pelo seu rosto, quando você estica o braço e desliga os aparelhos. Uma onda de liberdade me invade, enquanto o meu espírito abandona o corpo, que se tornou uma prisão dolorosa e aviltante.

E eu a amo ainda mais, por isto...



(A Laura me enviou o link. E este conto, com personagens obviamente fictícios, resume o que eu penso sobre o assunto...)

11.09.2006

AMOR OU PRECONCEITO?



Obrigado à querida Laura, pelas preciosidades que me enviou nos últimos dias, numa generosa cruzada contra a minha falta de inspiração.

Muito bom, todo o material; comprovaria o excelente gosto da amiga... se comprovação fosse necessária. Mas o que mais me chamou a atenção foi esta foto.

O que seria do bebê animal, se o generoso seio lhe fosse negado, em nome da visível diferença entre as raças?

A foto veio da Índia; um dos países de maior pobreza no mundo. E, pelo tipo da mulher, podemos presumir que não seja rica, nem culta. É uma pessoa comum, abrindo o seu coração e oferecendo o seu seio a outro ser vivo.

Diante desta imagem, o que dizer da luta entre árabes e judeus? Da discriminação racial, da violência contra os homossexuais, da xenofobia, da intolerância religiosa, da aversão e condenação implícita aos aidéticos, da perseguição aos que são diferentes?

A lógica nos aponta que Deus é único, não importa quantos nomes Lhe demos. A globalização derruba fronteiras, a ciência nos diz que ninguém escolhe ser homo ou heterossexual, como não escolhe a cor da própria pele; e nada disto torna um homem superior a outro. Entretanto, o preconceito nos divide.

A verdade é que tememos o que é diferente; esquecidos de que nem irmãos de sangue são iguais entre si. Nem os dedos da mão o são, já ensina o velho ditado; e exatamente por isto se complementam em suas funções.

Somos diferentes, sim; e isto apenas enriquece a vida. E nos torna melhores e mais sábios, na medida em que nos esforçamos para compreender os outros. Talvez alguém a quem amamos venha, um dia, a precisar dessa compreensão.

Talvez a maior lição a ser aprendida seja a de que, diferentes ou não, somos iguais, diante de Deus; quanto mais cedo a aprendermos, mais fácil a vida se tornará para todos nós.

No próprio raciocínio, encontramos o maior argumento contra o preconceito: se vivemos todos na mesma casa, melhor será se o fizermos sem brigas; respeitando as nossas diferenças e apoiando-nos mutuamente.

Mas é no amor, que encontraremos a força para erradicá-lo de nós. E construir um mundo novo, no qual sejamos verdadeiramente irmãos.

Utopia? Talvez. Mas uma foto como essa, que no primeiro momento me chocou, agora me renova a esperança!

11.07.2006

GELÉIA REAL

OK, eu confesso: tou em crise de criatividade. Minha cabeça anda mais vazia de idéias, do que aeroporto de controladores de vôo. Mas talvez a culpa não seja só minha: o tempo e os bons assuntos andam escassos.

A eleição acabou e as quadrilhas, perdão, os políticos estão quietos, elucubrando as roubalheiras, perdão, os planos e as alianças da próxima gestão. Em tempo: elucubrando nada tem a ver com uma eventual meiguice de determinada parte do corpo.

Também não tem mais Copa do Mundo e o Brasileirão segue em ritmo de valsa, orquestrada pelo São Paulo, o que deve fazer muito felizes o Serbon e a Márcia, mas a mim não diz droga nenhuma. No futebol de areia e no vôlei, o Brasil anda dando uns cacetes bonitos, mas isso não é nenhuma novidade.

Também não era muito interessante a tal novidade de forçar os internautas a se identificarem. Na minha ótica, essa medida só ia funcionar para nós, blogueiros, arraia-miúda, cidadãos de bem. Os hackers, os trambiqueiros eletrônicos, os marginais, simplesmente iriam utilizar provedores do exterior. E continuar fazendo a mesma coisa que hoje fazem. Aliás, acabo de ler que o projeto já foi retirado de pauta, no Senado; de vez em quando, as excelências fazem algo inteligente.

Careço, portanto, de bons assuntos, o que talvez explique a criatividade em baixa. E se hoje vim registrar este post, foi apenas para minorar a ansiedade dos leitores e amigos, que se têm manifestado, estranhando a minha ausência e enchendo de e-mails a minha caixa postal. Não que sejam muitos e-mails, claro... a caixa é que é pequena!

Estou bem, amigos, fiquem tranqüilos; só sem idéias. Eu diria que Tico e Teco estão realizando uma greve branca, ou operação padrão, como agora se diz. Mas eles terão que voltar ao trabalho. Mesmo porque eu vivo do que escrevo, não é? Se esta crise de inspiração durar muito, a próxima crise será de alimentação, pura e simples.

Infelizmente, o único assunto digno de nota que encontrei esta semana não é nada agradável: a nossa ilustração de hoje. O desespero de um garoto, que perdeu o irmão em recente ataque israelense.

Lembram-se do que falei, há algum tempo, sobre a insensibilidade que se vem espalhando pelo mundo? Pois é. Cada vez mais, fotos assim são divulgadas, e não ocorre o repúdio da opinião pública. É como se a dor alheia já nada nos dissesse.

Essa é a verdadeira face da guerra: a face da estupidez. A dor de uma criança, diante de algo que não consegue entender. Nunca mais, a vida desse menino será a mesma. A sua inocência e a sua esperança também morreram, nesse dia.

E, com isso, o mundo ficou um pouco pior...

11.02.2006

11.01.2006

SEIS OU MEIA DÚZIA?


Escrevi este post no dia 28 de outubro, mas deixei para publicar depois da eleição, quando Lula já estivesse em seu segundo mandato, como agora está. Não quero mais ninguém me acusando de ser anti-Lula ou pró-Alckmin. Mesmo porque não sou.

O que acho é que, pela segunda vez consecutiva, o brasileiro obrigado a votar não tinha um bom presidente em quem votar. Ganhou o que tinha a máquina e o carisma. E, sinceramente, não acredito que o outro seria melhor.

Mas certas coisas me deixam verdadeiramente perplexo, numa campanha eleitoral, como a ingenuidade, a credulidade do povo brasileiro. Beiram, quase, a religiosidade fanática. Senão, vejamos.

Um conceito religioso é o de que todo o bem que existe no mundo é feito por Deus, e todo o mal se deve ao Diabo. Sem o conhecimento de Deus, é claro, porque se Ele soubesse não ia permitir.

Na política, aconteceu coisa parecida: tudo de bom, foi Lula que fez; o ruim, ele não sabia. Por exemplo: ele criou a Bolsa Família, que alimenta 55 milhões de brasileiros; mas não foi ele que aumentou a carga de impostos para 38%, penalizando 180 milhões de pessoas. Vai ver, ele nem sabia.

Ele diz que o sistema de quotas, nas faculdades, e programas como o PROUNI, beneficiam os oriundos de escolas públicas; mas não sabe que o ensino público está uma droga, e nada se faz para melhorá-lo.

Nos escândalos e na corrupção, ele não sabia de nada, nunca; apesar de, sempre, pessoas bem próximas a ele estarem envolvidas. Nem sabia que Paulo Okamotto pagou uma dívida pessoal dele, Lula; vai ver, nem sabia que estava devendo.

Parece aquela brincadeira em que se derruba o dominó: Marcos Valério, Duda Mendonça, Sílvio Pereira, Delúbio Soares, Gushiken, Okamotto, Genoíno, Dirceu, Palocci, Freud, Lorenzetti, apenas para citar alguns nomes. Todos, pessoas bem próximas a Lula; todos envolvidos em fraudes e corrupção. E ele não sabia de nada.

Um caiu depois do outro. E todos caíram calados, não sei se vocês notaram. Sílvio Pereira ameaçou abrir a boca; mas apenas ameaçou. Depois que falou com Delúbio, mudou de conversa.

O que nos remete àquela história de Deus e o diabo. Tudo de bom, foi Lula que fez; sozinho. Tudo de ruim, foram os amigos traidores dele que fizeram. Sozinhos, também. Ele não sabia.

Lula governa sozinho, para fazer o bem; os assessores dele agem ocultos e sozinhos, para roubar e corromper. Cada um acredita no que quer e, pelo jeito, muita gente acreditou nisto; eu, com todo o respeito, não acredito.

É Lula de novo, com a força do povo. Nós, o povo brasileiro, por 58 milhões de votos, avalizamos o mensalão, o surubão, as sanguessugas, o Land Rover de Silvinho, a quebra de sigilo do caseiro, o tráfico de influência de Lulinha, o misterioso milhão do dossiê e outros escândalos mais.

Provavelmente, coisas assim vão acontecer de novo. E nós merecemos. Mas a culpa não é toda nossa.

Porque o outro ainda poderia ser pior...


(Como todo mundo sabe, a ilustração é com os simpáticos Metralhas, da Disney. Qualquer semelhança deve ser mera coincidência...)